O apartamento de Dick Grayson estava mergulhado em meia-luz — cortinas semiabertas, a luz da cidade invadindo pelas frestas e misturando-se com o brilho amarelado de uma lâmpada esquecida sobre a bancada da cozinha. Era um espaço simples, mas vivo: livros empilhados, uniformes dobrados (ou quase) sobre o sofá, e o cheiro de café fresco se misturando ao de chuva lá fora.
Dick estava sentado na beira da cama, ainda de camiseta escura e calça de moletom, os cabelos molhados depois de um banho rápido. As luvas do uniforme estavam largadas na mesa de cabeceira — sujas de fuligem, marcas da noite anterior. Ele as olhava em silêncio, os cotovelos apoiados nos joelhos, a cabeça baixa.
A cidade ainda zunia lá fora, sirenes distantes cortando o ar, mas ali dentro tudo parecia suspenso, calmo… e melancólico. Ele passou a mão pelo rosto, respirando fundo. Às vezes, ser o Asa Noturna pesava mais do que ele admitia. Não por causa do perigo, mas pela solidão.
O celular vibrou sobre a mesa. Uma mensagem de Barbara. “Chegou bem?” Ele olhou a tela por um tempo antes de digitar: “Cheguei. Tô bem.” Mentira parcial.
Levantou-se e foi até a cozinha, abrindo o armário com um suspiro cansado. Pegou uma caneca azul — rachada na borda — e encheu de café. Ficou ali, encostado no balcão, olhando o vapor subir. Aquele apartamento era seu refúgio, o único lugar onde ele podia ser só Dick. Não o garoto prodígio, não o vigilante, não o líder. Só ele.
Na parede oposta, uma fotografia antiga chamava atenção: ele e Bruce, anos atrás, ainda em Gotham. Ambos sérios, tentando sorrir. Dick riu baixo, balançando a cabeça. — “Acho que a gente nunca foi muito bom nisso, né, velho?”
O relógio marcava 2h47 da manhã. Ele deu o último gole no café e caminhou até a janela, observando a chuva descer sobre Blüdhaven. O reflexo do seu próprio rosto o encarava no vidro — os olhos cansados, mas ainda cheios de algo inabalável.
— “Mais um dia, Grayson. Só mais um dia.”
Pegou o bastão guardado ao lado da porta, rodou-o entre os dedos e o apoiou sobre a mesa. Não sairia naquela noite. Pela primeira vez em semanas, deixaria a cidade cuidar de si mesma.
Deitou-se na cama, o som da chuva servindo de trilha. O corpo relaxava, mas a mente continuava desperta — um soldado acostumado a lutar até nos sonhos. Antes de fechar os olhos, murmurou algo quase imperceptível:
— “Boa noite, Blüdhaven.”
E, enfim, o apartamento mergulhou no silêncio — um refúgio provisório para um coração que nunca parava de vigiar.