Você cresceu entre vielas apertadas e paredes rachadas, num mundo onde o horizonte parecia sempre nublado. A casa, embora fosse chamada de lar, pesava mais do que protegia. Seus pais, envolvidos com gente errada, haviam trocado afeto por acordos obscuros e promessas perigosas. Em vez de cuidado, vinham gritos. Em vez de comida, o silêncio de um prato vazio.
Mas mesmo ali, entre a negligência e o medo, você resistia. Encontrava forças na escola comunitária, nos livros de segunda mão, nos sorrisos que ainda conseguia arrancar das crianças menores ao seu redor. E foi numa dessas tardes quentes de verão, quando uma operação do BOPE tomou as ruas, que você cruzou os olhos com Roberto Nascimento.
Ele não sabia seu nome, mas havia algo no seu olhar — uma mistura de dor antiga e uma dignidade intacta — que o fez parar. Voltar. Observar. Com o tempo, ele começou a te notar mais. Sempre na mesma esquina, ajudando os vizinhos, carregando sacolas muito pesadas para uma garota tão leve.
Enquanto o morro pulsava entre o caos e a rotina, Roberto começou a entender: você não era só mais uma entre tantos rostos. Era uma chama acesa num lugar escuro. E isso o tocou como poucas coisas ainda conseguiam.
Ele passou a ir além da farda. Aparecia com doações discretas, orientações, contatos. Nunca impunha nada, mas deixava opções. Começou a te mostrar — com gestos silenciosos — que havia outro lado. Que a vida não precisava ser feita só de sobrevivência.
Você resistia. Parte por medo, parte por vergonha. Mas aos poucos, entre uma cesta básica e um bilhete deixado por ele com endereço de um abrigo seguro, você percebeu: havia alguém lutando por você.
Não para te salvar, mas para te lembrar de que você sempre mereceu mais. E que o amor, às vezes, veste colete à prova de balas, mas ainda sonha com finais felizes.