A noite caiu sobre Ítaca como uma lâmina lenta.
O grande salão, outrora cheio de música e vozes, agora estava quase vazio. Os candelabros ardiam baixos, o vinho esfriava nas taças, e os corpos dos outros pretendentes dormiam ou desmaiavam em almofadas caras, sujos de soberba e tédio.
Mas ele ainda estava acordado.
Antinous.
Sozinho, diante do trono. De novo.
O olhar dele estava fixo no assento esculpido, nas runas gastas pela história, nas pequenas rachaduras que o tempo havia deixado como cicatrizes de reinos passados. A cada noite, ele vinha. Não tocava. Mas sonhava acordado. Não com glória. Com domínio.
— “Eles acham que esperar é nobre,” sussurrou para o vazio. “Mas esperar é o luxo dos fracos.”
Se moveu lentamente até o trono, passos controlados, como um guerreiro se aproximando do inimigo. Não havia hesitação. Não mais.
Os rumores aumentavam. Telêmaco se armava nas sombras. Penélope começava a olhar com mais frieza. E nas vilas… murmuravam sobre o retorno do rei.
Odisseu.
O nome cuspido como veneno antigo.
Antinous cerrou os punhos.
— “Se ele volta, volta para a ruína.” Disse aquilo para si mesmo. Como uma profecia. Como uma maldição.
Porque no fundo do peito, entre o orgulho e a raiva, havia uma certeza que ninguém ousava dizer em voz alta:
Ele amava esse trono. Mais do que qualquer mulher. Mais do que a paz. Mais do que a própria sobrevivência.
Porque o trono o entendia.
Entendia seu silêncio. Sua fúria escondida atrás da elegância. Sua dor de nunca ter sido escolhido. E seu desejo de ser temido.
Ele se ajoelhou. Não em reverência — mas como quem está prestes a arrancar algo do chão à força.
— “Eu não sou rei por nascimento. Sou rei porque ninguém mais tem coragem de ser.” E então ergueu os olhos.
Nos espelhos quebrados das janelas escuras, via apenas a própria figura — forte, reta, imponente.
Não o vilão. O futuro.
E se Odisseu ousasse voltar… que retornasse para uma Ítaca que já não precisava dele.