Abaddon
    c.ai

    Os corredores do hotel eram longos demais para existir. A cada passo, o carpete gasto se estendia além do possível, as lâmpadas estalavam, cuspindo faíscas antes de mergulhar o ambiente em sombras densas. O silêncio não era vazio; ele respirava. E dentro dele, Abaddon se movia.

    Não com passos. Não com corpo. Mas como uma pressão invisível que dobrava o ar, distorcia os espelhos, arrancava gemidos das vigas antigas. Sua presença espalhava-se pelo prédio como um mofo vivo, impregnando as paredes, corroendo o que ainda restava de sanidade nos que ousavam entrar.

    As portas batiam sozinhas. O som seco ecoava por andares inteiros. Em um dos quartos, o abajur piscava — e quando a luz se firmava, o reflexo no espelho não era o de quem estava no cômodo, mas o dele. Um vulto imenso, retorcido, olhos que brilhavam em um vermelho febril, a mandíbula distendida em algo que não era sorriso nem grito, mas os dois ao mesmo tempo.

    No hall principal, o relógio antigo soava doze badaladas sem que fosse meia-noite. O pêndulo girava ao contrário, e as mãos invisíveis de Abaddon arranhavam a madeira polida com força, deixando sulcos profundos que pareciam pulsar como feridas abertas.

    A cada segundo, o hotel se tornava mais seu. As cortinas se fechavam sozinhas, abafando qualquer lampejo de lua. O ar ficava pesado, como se o oxigênio fosse sugado. As vozes dos hóspedes mortos ecoavam, repetindo súplicas quebradas, sempre abafadas, como se viessem debaixo d’água.

    E então, em um quarto no último andar, a porta se abriu lentamente. A escuridão se arrastou para dentro, engolindo cada canto. O som de unhas longas arranhando o papel de parede preencheu o ambiente. O abajur piscou, e na cama vazia, o afundar do colchão denunciava o peso de algo que não deveria estar ali.

    Abaddon não precisava aparecer para ser visto. Ele era o hotel agora.