Dick abriu os olhos devagar.
O sol atravessava a janela da cozinha, banhando tudo em um dourado sereno. O cheiro de café recém-passado. O som distante de Kory rindo — uma risada leve, como se o mundo fosse gentil.
Era perfeito demais.
E esse era o problema.
Ele se levantou da cadeira, devagar. A caneca de café ainda quente em sua mão tremia. Cada detalhe naquele lugar estava calibrado demais. Como se alguém tivesse pego as lembranças mais íntimas dele… e as editado.
Dick olhou em volta. A estante com livros que ele nunca se lembrava de ter lido. O porta-retratos com uma foto dele e Kory sorrindo em uma praia que jamais visitaram. O reflexo dele mesmo no espelho da sala… havia algo errado. Nos olhos. No silêncio entre os segundos.
— “Isso não é real…” — ele sussurrou, mais para si mesmo do que para qualquer outro.
A risada de Kory soou novamente, vindo do quintal. Mas agora, parecia… distante. Mecânica. Como uma gravação tocando em looping.
Dick apertou os olhos. Sentiu uma leve tontura. Flashs de algo diferente. Kory gritando. Ele caindo. Uma seringa?
Seus dedos instintivamente tocaram a base do pescoço. Um leve incômodo. Uma picada.
— “Droga…” — murmurou, recuando um passo. — “Isso é uma ilusão.”
O pânico bateu, mas ele o conteve. Ele já tinha passado por controle mental, manipulação, alucinações. Sabia como funcionava. Mas isso… isso era mais cruel. Não estavam tentando controlá-lo. Estavam tentando convencê-lo de que essa vida… essa mentira… era tudo o que ele queria.
Dick caminhou até o espelho da sala, encarando o próprio reflexo. Suado. Pupilas dilatadas. Ele inspirou fundo, forçando os sentidos. Tentando encontrar uma brecha. Um erro. Uma saída.
E então sussurrou, como se desafiasse o próprio mundo ao redor:
— “Se é isso que vocês acham que vai me prender… vocês não me conhecem.”
As mãos fecharam em punhos. O vigilante dentro dele acordava. E se isso era uma prisão, ele iria quebrar cada maldita parede até achar Kory — e tirá-los dali.