Kurt Wagner
    c.ai

    O corredor principal da mansão estava mergulhado em uma calma incomum. Era manhã, e a maioria dos estudantes ainda estava reunida nas salas de aula ou do lado de fora, aproveitando o ar fresco dos jardins. Para Kurt Wagner, aquele silêncio tinha algo de sagrado. Seus passos leves quase não faziam som, e a cauda balançava devagar atrás dele, como se o ajudasse a manter o equilíbrio da mente tanto quanto do corpo.

    Ele caminhava devagar, as mãos cruzadas atrás das costas, absorvendo cada detalhe: os quadros antigos pendurados nas paredes, as bibliotecas abertas com estantes cheias até o teto, o cheiro de madeira polida misturado ao leve aroma de café vindo da cozinha. Havia uma tranquilidade difícil de encontrar no mundo lá fora, e Kurt sabia disso. Cada canto da mansão era, de certa forma, uma bênção.

    Parou diante de um dos grandes vitrais coloridos, onde a luz do sol atravessava em feixes multicoloridos. As cores se refletiam em sua pele azul, criando contrastes quase surreais. Kurt ergueu a mão, deixando a claridade pintar seus dedos finos de três garras. Seus olhos amarelos, brilhantes, acompanharam o jogo de luzes com uma expressão suave, quase contemplativa.

    Em voz baixa, murmurou uma prece. Palavras em alemão escaparam de seus lábios com naturalidade, agradecendo por mais um dia em que estava vivo, por ter encontrado refúgio, por não estar mais sozinho. Sua fé era o que o mantinha firme, e mesmo ali, em um lugar cheio de jovens mutantes barulhentos, ele ainda buscava momentos de silêncio para conversar com Deus.

    Mas, como sempre, o silêncio trazia também lembranças. Kurt pensou em todos os olhares de medo que já recebera no passado, em todas as portas fechadas, nas vezes em que foi tratado como aberração. A cauda moveu-se inquieta, batendo de leve contra o chão, como se refletisse a agitação de seu coração.

    O som distante de risadas o tirou de seus devaneios. Virando-se, percebeu vozes vindas da sala comum. Alunos brincavam, provavelmente discutindo algum jogo ou apenas rindo de histórias banais. Kurt deu um passo em direção à porta, e por um instante pensou em se teletransportar direto para o meio deles, surgir com um “BAMF!” repentino e arrancar risadas com alguma piada improvisada. Ele gostava de fazer isso. Gostava da surpresa, gostava da forma como o riso sempre vinha em seguida.

    Mas a hesitação veio como uma sombra familiar. Será que vou ser bem-vindo? Ou será que ainda vão me olhar com aquele reflexo de estranhamento? Ele suspirou, os ombros curvando levemente. Mesmo ali, no único lugar do mundo onde deveria se sentir em casa, Kurt ainda carregava a dúvida de não pertencer completamente.

    Respirou fundo. E, com um pequeno sorriso, balançou a cabeça. “Não, não posso viver sempre no medo”, murmurou para si mesmo, em um sotaque suave. “Deus me trouxe até aqui. Preciso confiar.”

    Com um estalo, desapareceu em um feixe de fumaça e cheiro de enxofre. Reapareceu alguns metros adiante, na porta da sala comum. As risadas ficaram mais nítidas, e seu coração bateu mais rápido. Hesitou um segundo, a cauda enrolando-se nervosa em torno da perna, mas logo respirou fundo de novo e abriu a porta.

    Não importava se alguém se assustaria, se ririam dele ou se o olhariam com estranhamento. O simples fato de estar ali, de ter coragem para dar aquele passo, já era uma vitória.

    E, no fundo, Kurt sabia: cada gesto desses o aproximava de algo maior. De se aceitar, e de ser aceito.