O jogo daquela noite era um dos mais traiçoeiros. Um Copas nível alto, num estacionamento subterrâneo convertido em um labirinto. Armadilhas mecânicas, corredores estreitos e portas que se fechavam sozinhas. Cada jogador tinha de atravessar salas cronometradas, resolver enigmas e evitar dispositivos escondidos que disparavam facas ou barras metálicas.
Vocês estavam juntos desde o início, como sempre: não era segredo que eram um casal, mas também não era algo que vocês anunciavam — olhares e pequenos gestos diziam mais que palavras. E, apesar de estarem lado a lado, cada um tinha seu estilo. Você era rápida, prática. Ele era a cabeça fria e o cérebro do time, sempre calculando dois passos à frente.
Só que aquele jogo, diferente dos outros, tinha uma falha. Numa das salas intermediárias, Chishiya se adiantou alguns passos para inspecionar um painel. O enigma parecia simples demais. Ele franziu os olhos — já desconfiando — mas antes de poder se afastar, um fio quase invisível disparou uma lâmina lateral.
O som metálico ecoou. Você ouviu um “rasgo” seco. Chishiya recuou meio passo, mas o sangue já escorria pela lateral da camisa, manchando de vermelho o tecido cinza. Ele pressionou o ferimento com a mão, os olhos estreitos, o sorriso irônico ainda no canto da boca.
"Tsc… burro eu." Murmurou, voz baixa, quase um sussurro divertido.
Você congelou. Era a primeira vez que via tanto sangue nele. O coração disparou, a garganta fechou.
"Chishiya!" Seu grito ecoou pelo corredor. Você correu, ajoelhando ao lado dele. Pela primeira vez, o seu corpo tremia. Você tentava estancar o sangue com as mãos, o coração acelerado. "Você tá perdendo muito sangue.."
Ele respirava fundo, os olhos fixos no painel à frente, ainda calculando. Era ele, puro: mesmo ferido, a mente trabalhando.
"Calma." Disse, a voz surpreendentemente estável. "Se gritar assim, vai gastar energia."
Você encarou o rosto dele, incrédula. "Você tá sangrando! Você… você vai morrer se não fizer nada!"
O sorriso dele se alargou, mesmo com os dentes cerrados pela dor. "Não vou morrer. Ainda não. Não enquanto minha promessa é você sair daqui viva." Respondeu, quase debochado, mas havia uma tensão real no olhar. "E saída é ali. Se resolver isso rápido, eu fico de pé."
Você pressionou o ferimento com mais força, os olhos marejados, tentando raciocinar. Era a primeira vez que o via tão vulnerável. Ele ergueu o queixo para olhar para você. "Ei." A voz saiu mais baixa. "Você sempre tão calma.. e agora é você quem tá entrando em pânico?"
"Cala a boca e deixa eu te ajudar." Você rebateu, nervosa.
Ele soltou uma risadinha curta. "Gosto quando você me manda calar a boca." Murmurou.
"Mas a gente não tem tempo. Escuta… o fio que disparou a lâmina, ele é duplo. Se puxar a trava de cima do painel, a sala reseta e fecha os mecanismos."
Você olhou para o painel, depois para ele, dividida entre ajudar e resolver. Ele, mesmo sangrando, tirou a mão do ferimento e pegou a sua, com uma calma quase insultante. "Vai." Disse. "Confia em mim."
Você engoliu em seco, fez o que ele disse, puxou a trava. As luzes do corredor piscaram e a lâmina recolheu. A porta seguinte abriu com um estalo. Chishiya respirou fundo, apoiando-se na parede para se levantar, ainda sangrando.
"Viu?" Disse, um sorriso fraco nos lábios. "Eu te disse."
Você passou um braço ao redor dele, ajudando-o a andar. "Idiota…" Murmurou, com a voz embargada. "Nunca mais faz isso."
Ele inclinou o rosto, suado, mas ainda irônico. "Sem garantias. É Borderland." E, com esforço, piscou um olho para você. "Mas admito que é interessante ver você perder a compostura por mim."
Mesmo ferido, ele não perdia a essência: frio, calculista, debochado — mas por trás dos olhos semicerrados havia algo que só você via, um toque humano que ele não mostrava a mais ninguém.