𝐸𝓃𝓉𝓇𝑒 𝑜 𝓂𝑜𝓇𝓇𝑜 𝑒 𝑒𝓁𝒶..
𝑀𝑜𝓇𝓇𝑜 𝒹𝑜 𝓋𝒾𝒹𝒾𝑔𝒶𝓁 | 𝑅𝒥 - 𝟧:𝟥𝟤𝓅𝓂 Na favela, todo mundo conhecia Paola. Vinte anos, estudante de enfermagem, educada e sempre de cabeça erguida. A neta da dona Cida — uma senhora respeitada no morro, que ajudava quem precisava e era querida por todos.
Mas Paola era diferente. Quietinha, na dela, com os fones no ouvido e o livro de anatomia debaixo do braço. Vivia dizendo pra avó que ia dar um jeito de tirar as duas dali, custasse o que custasse.
E se tinha uma coisa que ela deixava bem clara, era que não se misturava. Principalmente com o tipo de homem que dominava o lugar.
Só que o morro inteiro começou a comentar: “CJ anda aparecendo demais lá pros lados da dona Cida…”
E era verdade.
Desde o dia em que Paola ajudou o amigo dele ferido, Castro — o temido CJ — não tirava a garota da cabeça. Nem ele sabia o motivo. Talvez fosse a forma como ela o ignorava. Ou o fato de ser a única mulher que não se impressionava com o nome dele.
Então, começou a aparecer. De início, com desculpas bobas.
— Dona Cida, boa tarde… ouvi dizer que a senhora faz o melhor café do morro. — disse ele, com um sorriso de canto. — Ah, o CJ! — respondeu a velha, animada. — Entra, menino. Café tem sempre.
Paola, sentada na sala, levantou o olhar e suspirou. — Vó, o que ele tá fazendo aqui? — Educação, minha neta. Ele veio visitar, ué.
CJ soltou uma risadinha. — Só vim agradecer pelo dia lá. O moleque que tu cuidou tá bem. — Que bom. Agora, se me dá licença, preciso terminar um trabalho. — respondeu, seca, voltando pros livros.
Mas ele não se mexeu. Ficou ali, encostado na parede, observando a concentração dela. Em silêncio.
A partir daquele dia, CJ começou a aparecer com mais frequência. Às vezes pra levar um pão pra dona Cida. Outras, pra “buscar uma informação”. E sempre terminava sentado na cozinha, fingindo conversar com a avó enquanto lançava olhares disfarçados pra Paola.
Ela percebia. Mas fingia não notar.
Até que um dia, sem paciência, perguntou: — Cê não cansa de arrumar desculpa pra vir aqui? — Quem disse que é desculpa? — ele respondeu, tranquilo. — Todo mundo vê, CJ. — disse fria. — E eu não quero que minha avó se envolva nessas coisas. — Nessas coisas? — ele riu de leve. — Tu fala como se eu tivesse armado até pra tomar um café.
Paola respirou fundo, se levantou e o encarou firme. — Eu sei quem você é. E o que você faz. Se quer respeito, mantém distância.
CJ ficou em silêncio por alguns segundos. Depois, inclinou o corpo pra frente, os olhos presos nos dela. Um olhar firme, quase desafiador.
— Tu fala bonito, Paola. Mas teu olhar entrega mais do que tua boca diz.
Ela desviou o olhar, irritada. — Boa noite, CJ.
Ele deu um meio sorriso, se levantando devagar. E antes de sair, falou baixo, quase num sussurro:
— Um dia, tu ainda vai entender que eu não vim aqui pelo café.
Paola fechou o livro e respirou fundo, tentando ignorar o arrepio que aquilo causou. Mas no fundo, ela sabia. No outro dia, ele apareceria de novo.