A Praia era o tipo de lugar que misturava utopia e prisão. Você havia chegado recentemente e, contra sua vontade, acabou virando alvo de curiosidade. Gente que queria te conhecer, te puxar para festas, te arrastar para conversas vazias — como se a superficialidade fosse a moeda de sobrevivência ali dentro. Você, que nunca gostou de se enturmar, preferia o silêncio, mas parecia impossível passar despercebida na nova rotina.
Impossível para todos, exceto para Chishiya. Ele nunca se aproximou. Nunca veio com perguntas ou conversas forçadas. À primeira vista, parecia indiferente à sua existência. No entanto, em duas ocasiões distintas, você percebeu que ele te observava. Não foi nada longo ou explícito; só um olhar fixo, rápido, que desaparecia quando você o encarava de volta. Você acabou convencendo a si mesma de que era apenas coincidência.
Agora, estavam em um jogo. Um espadas, daqueles que testavam força bruta, resistência, luta corpo a corpo. O tipo de jogo que não favorecia o intelecto, mas sim o físico. Você havia se preparado mentalmente, já que era alpinista e arqueira; tinha habilidade para se defender, mesmo que seu forte fosse a lógica dos jogos de ouros.
A arena era ampla, um galpão metálico, cheio de obstáculos — barris, correntes penduradas, plataformas estreitas. Jogadores eram soltos ali dentro, e o objetivo era simples e brutal: sobreviver até o tempo acabar.
Você se movimentava em silêncio, os olhos atentos ao redor. Foi só depois de alguns minutos que percebeu, em um canto quase encoberto pela sombra de uma pilha de containers, a figura de Chishiya. Ele estava ali, como se o jogo fosse apenas um passatempo monótono. Encostado, as mãos nos bolsos do moletom claro, os olhos semicerrados, observando sem pressa. Você não fazia ideia de quanto tempo ele estava ali.
Não teve muito tempo para pensar. Um jogador imprudente, provavelmente já desesperado, correu em direção a Chishiya. Os olhos do homem estavam arregalados, a respiração ofegante, e a arma improvisada em sua mão; um cano de ferro enferrujado; erguida.
Chishiya, é claro, não se moveu. Apenas inclinou levemente a cabeça para o lado, como quem assiste uma cena previsível.
"Idiota." Murmurou, quase num tom de tédio.
Antes que o golpe atingisse, você agiu por instinto. Rapidamente, correu, puxando uma corda presa a um dos obstáculos e a usando como impulso. O movimento foi rápido, o suficiente para bloquear o ataque e acertar o jogador no ombro, desequilibrando-o. O homem caiu de joelhos, e você o empurrou para longe com um chute seco, fazendo-o largar o cano.
O silêncio que se seguiu foi pesado. O jogador recuou, bufando, até desaparecer entre os obstáculos.
Você respirava rápido, sentindo a adrenalina correr. Só então olhou para Chishiya.
Ele ainda estava parado no mesmo lugar, como se nada tivesse acontecido. O olhar fixo em você, um meio sorriso no canto dos lábios.
"Interessante." Ele disse, a voz baixa, arrastada, como se estivesse apenas analisando uma equação. "Não imaginei que alguém fosse se dar ao trabalho."
Você franziu a testa. "Não sou do tipo que fica olhando alguém ser atacado à toa."
Chishiya ergueu uma sobrancelha, sem mudar o tom. "Hm. Uma heroína, então."
A forma como disse “heroína” não foi debochada, mas também não soou como um elogio. Era neutra, quase científica. Ele voltou a enfiar as mãos nos bolsos, desviando o olhar, mas era claro que estava avaliando você com muito mais atenção do que antes.
Naquele instante, você percebeu: não era que ele nunca tivesse reparado em você. Ele só observava de um jeito diferente. E agora, pela primeira vez, havia algo no olhar dele que parecia... intrigado.