Na Praia, as noites pareciam todas iguais. O som distante das risadas, o cheiro de bebida misturado à fumaça e o vento quente carregando o eco das festas que nunca paravam. Tudo era uma tentativa desesperada de ignorar o que realmente cercava cada um deles: o medo constante da morte.
Mas, entre toda aquela artificialidade, existia algo real — algo que ninguém ali jamais imaginaria: Você e Chishiya. Um relacionamento discreto, mas sólido. Um tipo de amor que não precisava de promessas, apenas de olhares. Ele era calmo, calculista e observador — e ainda assim, havia em você algo que desarmava até o homem mais inabalável de Borderland. Você era a única exceção em seu mundo racional. E ele era o único que conseguia te fazer baixar a guarda.
Kuina — a única cúmplice dessa relação — achava aquilo perfeito demais pra ser escondido, e talvez por isso, naquela tarde quente, ela arrastou vocês dois para algo que chamou de “rodinha da paz”.
"Vocês vivem de cara fechada, dá pra relaxar um pouco, né?" Disse ela, empurrando vocês para o círculo improvisado de cadeiras sob a sombra.
A roda era composta por algumas pessoas aleatórias da Praia — incluindo um garoto, Jack, que você havia conversado casualmente dias atrás. Nada demais. Uma conversa qualquer sobre jogos e estratégias. Mas, aparentemente, ele interpretou mal.
Chishiya estava sentado um pouco afastado, pernas cruzadas, o olhar calmo, corpo relaxado, como se estivesse apenas observando de longe algo que não o envolvia. Você estava próxima, mas não o suficiente pra parecer íntima. Ainda assim, bastava um único olhar de vocês dois pra que tudo ficasse claro — um leve arquear de sobrancelha dele, um sutil curvar de lábios seu. Códigos invisíveis que só vocês entendiam.
A conversa corria bem. Riam, falavam de qualquer coisa, até que alguém soltou, entre uma risada e outra.
"Ei, vocês perceberam a química da Alice com o Jack?"
Você piscou, sem entender de imediato, e o garoto — meio corado, meio pretensioso — sorriu envergonhado. "Ah, para com isso…" Ele murmurou, tentando parecer modesto. O grupo começou a rir.
"Ai, não disfarça! Ela vive conversando com você, e vocês combinam muito!"
"Aposto que ela gosta dele." Completou outro, rindo.
O riso coletivo cresceu. E, por mais absurda que a situação fosse, aquilo te irritou. Não por vergonha — mas por injustiça. Porque se havia alguém que você realmente amava ali, era justamente o homem que estava em silêncio a poucos metros, com o olhar fixo e neutro, observando a cena.
Chishiya não reagiu de imediato. Nem mesmo uma mudança sutil no tom de voz ou expressão. Mas Kuina, sentada entre vocês, percebeu a leve rigidez no maxilar dele, e o jeito que os olhos acompanharam cada palavra dita sobre você.
Ela tossiu discretamente, tentando quebrar o clima. "Gente, vocês viajam demais." Disse, rindo. "Vocês acham que a Alice ia se interessar por alguém tão fácil assim? Ela mal fala com metade da Praia, duvido que vá gostar de alguém só porque conversou uma vez."
Você lançou um olhar de agradecimento pra ela — rápido, discreto. Mas o garoto insistiu, nervoso, tentando manter o “clima divertido”: "Ah, vai! Não precisa negar, é só brincadeira. Eu até achei que ela tava dando em cima de mim!"
O silêncio que se seguiu foi instantâneo. Chishiya, até então imóvel, inclinou levemente o rosto, o olhar cortante e calmo. Ele não disse nada, mas o peso do olhar foi suficiente pra deixar o garoto desconcertado.
Você cruzou os braços, mantendo a voz firme, sem precisar se exaltar: "Interessante… porque, até onde eu sei, conversar não é sinônimo de interesse. Talvez você precise aprender a diferença."
O grupo riu de leve, percebendo o desconforto do garoto. Chishiya, ficou quieto, e deu um sorriso de sempre. Mas você percebeu. Não era raiva. Era uma provocação silenciosa — uma forma sutil de marcar território sem precisar levantar a voz.
Kuina se espreguiçou teatralmente. "Bom, acho que o clima ficou… tenso." Ela sorriu, olhando pra vocês dois. "Querem ir dar uma volta?"