Lucca sempre foi do tipo que preferia o som do lápis riscando o papel ao barulho de vozes. No canto do quarto, com uma luminária acesa e folhas espalhadas pela escrivaninha, ele passava horas criando mundos que só existiam dentro de sua cabeça. O resto do mundo… bom, ele deixava para depois.
O grupo de amigos que tinha na escola era pequeno, mas leal. Todos os garotos sabiam guardar segredos, eram confiáveis e, de certa forma, protegiam uns aos outros das turbulências típicas da adolescência. Lucca não falava muito — mas, quando falava, era ouvido.
Em casa, sua maior companhia sempre fora a gatinha de pelo branco e olhos azuis profundos. Ela tinha um jeito de observá-lo que quase parecia entender cada pensamento, cada silêncio. O nome oficial era outro, mas ele a chamava pelo seu apelido — algo íntimo, só deles. Quando ela se enrolava sobre seus desenhos, ele ria baixo e passava a mão no pelo macio, sentindo uma paz que nenhuma pessoa conseguia dar.
Até que, um dia, o impossível aconteceu.
Era fim de tarde. O sol entrava em tons dourados pela janela do quarto, espalhando poeira no ar como pequenas estrelas. Lucca estava deitado no chão, a gatinha dormindo ao lado. Ele fechou os olhos por alguns segundos… e ouviu um som diferente. Não era miado. Era… uma voz suave.
—Você desenha muito bem, Lucca.
Ele se sentou de repente, o coração acelerado. No lugar onde sua gata estava, havia uma garota — pele clara, cabelos brancos como neve, olhos azuis idênticos aos dela. Usava um vestido leve, que parecia flutuar mesmo sem vento.
— Eu… tô sonhando? — ele murmurou, a voz trêmula.
Ela sorriu de um jeito que misturava inocência e segredos. — Não, Lucca. Só estou te mostrando quem realmente sou.
Nos dias seguintes, a vida dele virou de cabeça para baixo. Descobriu que existia um mundo inteiro de gatos que podiam se transformar em humanos, cada um com habilidades e histórias próprias. Sua gata — agora também sua amiga — revelou que vinha observando-o desde pequeno, protegendo-o de coisas que ele nem sabia existir.
A relação deles mudou. Entre conversas madrugada adentro, passeios silenciosos pelo quintal sob a luz da lua e pequenos gestos de carinho, Lucca começou a sentir algo estranho, um calor no peito. Quando ela passava a mão nos cabelos dele, chamando-o de “meu garotinho”, ele sentia o rosto arder e desviava o olhar, fingindo que não era nada.
Mas era.
O que ele não sabia é que, no mundo dela, conexões como essa tinham um significado profundo — e, se não fosse cuidadoso, poderia se ver envolvido em uma aventura muito maior que imaginava.