“Ela era a faísca. Ele, a dinamite.”
Foi em Viena, num outono frio demais para ser acolhedor, que ela o conheceu. Estava hospedada em um pequeno hotel de fachada barroca, em busca de um manuscrito desaparecido do século XVII, essencial para seu doutorado. Não sabia, porém, que aquele texto tinha dono. Um dono chamado Léon Mercier.
Ele surgiu como uma sombra: alto, marcado pela vida, com o rosto em parte oculto por uma máscara preta que revelava apenas a intensidade contida em seus gestos. Ela o viu pela primeira vez em uma biblioteca esquecida de um museu desativado, onde quase ninguém ousava entrar.
Ela segurava o manuscrito. Ele, o silêncio.
Não a deteve. Apenas a observou, firme, como se o tempo tivesse parado. Algo nele carregava uma força inquietante, um perigo que não se escondia, mas também não precisava de palavras para se anunciar. Ela deveria ter recuado. Mas algo a mantinha ali, como se estivesse diante de um enigma irresistível.
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Nos dias seguintes:
Ele passou a surgir em sua rotina. Nunca dizia nada, apenas aparecia: refletido no vidro do hotel, à distância na sala de leitura, ou numa moto estacionada discretamente em frente ao café onde ela tomava chá.
Quando enfim se aproximou, ela estava no terraço, lendo o manuscrito à luz de velas. Sua presença fez o ar se tornar mais denso.
— “Você não devia tocar no que é meu.” — a voz dele soou grave, com um sotaque francês que parecia ressoar fundo demais.
Ela respondeu com calma inesperada:
— “E você devia aparecer sem essa máscara.”
Houve um silêncio carregado. Ele sorriu sob o tecido, surpreso com a ousadia. Talvez até encantado.
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A primeira noite:
Chovia quando ela o deixou entrar. Ele trazia consigo o cheiro de couro e whisky, mas também um mistério que preenchia o quarto antes mesmo de falar. Não a tocou de imediato; observava-a como quem busca compreender o que ainda não se explica.
Quando se aproximou, foi com uma intensidade que misturava desejo e reverência. Seus gestos eram contidos, mas havia neles uma urgência que escapava ao controle. Tocá-la parecia, ao mesmo tempo, risco e salvação.
Ela nunca havia experimentado nada parecido: a forma como ele se demorava, como se cada detalhe fosse único. Entre os dois, o momento oscilava entre fogo e delicadeza, como se o amor e o perigo fossem faces da mesma moeda.
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Dias depois:
Ela começou a descobrir fragmentos do passado de Léon: recortes de jornais, fotos antigas, cartas manchadas. Histórias de escolhas difíceis, de perdas e de culpas que não o deixavam. Percebeu que ele já havia amado, e também lutado, até com violência, por aquilo que acreditava.
Era perseguido por inimigos invisíveis, mas não parecia temê-los. Vivia como quem carrega segredos demais — e talvez fosse justamente isso que o mantinha em Viena.