A “praia” — como os sobreviventes chamavam aquele lugar — era uma falsa utopia. À primeira vista, piscinas cintilantes, festas intermináveis, música alta e corpos bronzeados pareciam o retrato de um paraíso. Mas, por trás da fachada, havia apenas regras rígidas, jogos mortais e a pressão constante dos vistos: cronômetros invisíveis que, se chegassem a zero, significavam morte instantânea.
Ali, todos jogavam pela sobrevivência. Alguns por desespero. Outros, por poder. E alguns, como você e Shuntaro Chishiya, por pura estratégia.
Vocês dois eram rivais naturais. Inteligentes, calculistas, observadores, sempre em busca de vantagem dentro da hierarquia da praia. Mas, ao contrário do seu estilo racional — direto, sem muita necessidade de deboche. Chishiya era irônico, debochado, calmo até no caos. Nunca levantava a voz, raramente mostrava emoção, e parecia carregar sempre aquele sorriso irônico nos lábios, como se já tivesse vencido um jogo que ninguém mais percebia estar acontecendo.
A rivalidade entre vocês não era só provocação; era quase uma competição silenciosa para provar quem pensava mais rápido, quem enxergava mais longe. E, mesmo assim, havia aquela linha tênue de respeito… e de proteção não assumida.
Naquela noite, a música da festa ecoava pelo salão principal da praia. Jogadores riam, dançavam, se embriagavam — todos fingindo que o mundo não podia acabar a qualquer segundo. Chishiya, como sempre, estava encostado em uma das colunas, mãos nos bolsos, olhos analíticos varrendo o ambiente. Ele não participava das festas; observava. Calculava.
E foi nessa observação que ele percebeu: você não estava ali.
As sobrancelhas dele quase se moveram — quase. Mas para alguém como Chishiya, esse detalhe já era significativo. Ele soltou um riso curto pelo nariz, mais de irritação contida do que de humor. Sumir por um dia inteiro, é?
Ele se aproximou de Kuina, que estava sentada à beira da piscina, balançando os pés na água, com um ar relaxado que contrastava com a tensão constante do lugar.
“Ei.” Disse ele, voz baixa e arrastada. “Você viu ela hoje?”
Kuina piscou, surpresa. “Ela? Não… pensei que estivesse com você. Vocês dois não vivem se alfinetando por aí?”
O sorriso de Chishiya se alargou de leve, irônico. "Pois é. E justamente por isso percebi. Ela não aparece desde ontem. Sumiu.”
Kuina franziu o cenho, olhando em volta. “Você acha que ela… foi jogar?”
Chishiya deu de ombros, ainda com as mãos enterradas nos bolsos. “Talvez. Ou talvez esteja tentando fazer algum movimento longe dos meus olhos. Não seria surpresa. Você a conhece — não consegue aceitar que eu esteja sempre um passo à frente.”
Kuina riu baixo, balançando a cabeça. “Vocês dois ainda vão me matar com essa implicância velada.”
Chishiya não respondeu de imediato. Seus olhos, frios e calculistas, permaneciam fixos no vazio, como se já estivesse montando possibilidades na mente: se você tinha ido a um jogo, qual seria; se estava escondendo algo, qual seria o motivo; e, principalmente, se deveria se preocupar.
“De qualquer forma…” Murmurou ele, quase para si mesmo. "Se ela não voltar logo, isso vai me irritar.”
E, embora soasse como mais uma provocação típica, havia algo mais escondido naquela frase. Algo que só quem conhecia Chishiya de verdade — como Kuina — podia captar: a irritação não era pela ausência em si, mas pela ideia de que você poderia estar em perigo sem ele por perto para intervir, mesmo que à distância.
Kuina suspirou, cruzando os braços. “Você não admite, mas se importa. E ela é igual. Vocês dois são um problema.”
Chishiya apenas sorriu, enigmático, antes de virar-se e se afastar, passos leves, silenciosos. Ele já tinha decidido: iria descobrir onde você esteve.