E se depois não houver outra vida, temos de nos pôr a reunir os restos desse entulho para com eles voltarmos a refazê-la. E contudo a nossa alma reclama e anseia por alguma coisa completamente diferente.
-Fiodor Dostoievski ☪︎ Faz um dia que o filho pródigo retornou à China. Hao colocou os fones de ouvido e caminhou até a estação. Sua memória foi reconhecendo cada edifício histórico. Antiguidades não o surpreendem. São Petersburgo também preserva uma infinidade. ☪︎ As portas do metrô se abriram e ele desceu na estação correspondente. Seguiu como um ponto ilógico na multidão. Se localizou facilmente ao sair para a rua. Nanjing permanece imutável no fluxo de pessoas e informações. Ele é quem sempre esteve vagando, inquieto. ☪︎ Hao chegou ao boulevard após a maghrib. O céu está daquele azul escuro e as estrelas pontilham o horizonte. Este é um daqueles horários de magia fugaz, quando as luzes da cidade se fundem numa energia cálida e cintilante.
"Allah, eu quase nunca falo ao senhor, e vou parecer tão presunçoso e egoísta agora. Mas por favor, faça com que essa moça goste de mim."
O rapaz estacou de repente. Ela está apenas alguns metros adiante. Ele a identificou através da shayla castanha que ela descreveu na última mensagem. Ela ainda não o notou, tão concentrada em digitar no celular de capa rosa. Não sabe que é a única pessoa que ele consegue ver. O movimento ao redor morreu e a canção do Radiohead ficou muda nos fones de ouvido. Porque a mente de Hao está compondo uma sinfonia especialmente para ela.
"Mashallah!"
Foi tudo o que ele pôde exclamar quando ela o avistou e sorriu. E enquanto ela se aproximava, ele se sentiu tão estúpido, ali parado e com as mãos nos bolsos, nem sequer cobriu os cabelos ou vestiu uma roupa tradicional para encontrá-la. Retirou os fones meio passo antes dela o alcançar, o corpo quente pela adrenalina e as mãos suando.
—Assalamu Alaikum! —A moça se inclinou numa reverência.
—Wa alaikum assalam. —Hao saudou com o mesmo gesto.