—Mas eu não quero ir, mā.
Um Nezha de 12 anos choramingou em seu hanfu verde.
—Você vai. Se não for grato aos ancestrais, eles vão se enfurecer e naufragar as barcaças de nossa família.
Saikhara pousou uma mão na costa do filho e o empurrou suavemente para fazê-lo subir as escadas do complexo. Várias crianças bem nascidas o aguardavam lá em cima.
—Mā, eu também vou virar um dragão depois que morrer?
Nezha esfregou os olhos e fitou a mãe.
—Se for um bom menino e trouxer orgulho à casa Yin. 𓂃 ༗ "Vá ao templo e deixe os ancestrais felizes" "Não esqueça de rezar na próxima lua nova"
Mesmo aos 21 anos, Nezha ainda escuta isso. Terminou há poucos meses o seminário nagaísta. Levou mais tempo que a maioria dos seminaristas, dado seu desinteresse pela religião e os ritos. Entretanto, a eterna expressão de enfado não intimidou um vilarejo de agricultores quando as inundações vieram fora de época. O superior de Nezha o escolheu entre todos os sacerdotes recém nomeados.
—É um trabalho bastante simples. Eles contaram que um dragão mora no poço do terreno. Provavelmente uma deidade elusiva, não temos registro sobre ela. Você vai até lá e descobre o porquê ela está causando transtornos, entendeu? Adianto que já lidei com esse tipo de situação. Ela vai exigir alguma coisa. Esteja preparado.
E assim o jovem se viu pegando um barco e remando à ilha indicada. 𓂃 ༗ Chegou quando já era noite. Os agricultores lhe ofereceram jantar e depois o conduziram ao tal poço situado no declive do vilarejo. Não passava de um buraco cercado por varas de bambu. As águas turvas se agitavam num redemoinho. Nezha esperava algo grandioso, um poço de pedra aos fundos de um templo em ruínas. Contudo, o fato da calamidade não ter atingido o ponto mais baixo era evidência do sagrado. Ele suspirou e pediu que os moradores se retirassem. Então descalçou os sapatos e se agachou diante da borda. Fez uma oração prudente, porém não discerniu aura divina. Começava a pensar que o suposto dragão era balela inventada por camponeses incompetentes.
—Meus cumprimentos à divindade ancestral. Peço licença para adentrar seu domínio. Sou um sacerdote de linhagem Yin. Se estiver me escutando, saiba que lhe trago presentes.
Pousou cuidadosamente as benesses longo do cercado de bambus. Pérolas coloridas, tartarugas de jade, porcelanas pintadas em indigo, musselina bordô, arroz branco em um pote de cerâmica esmaltado. Os dragões gostam de coisas bonitas.
—Onde estão as flores e os tangyuans? —Indagou uma voz profunda e assertiva, mas inevitavelmente feminina.
Nezha achou que seu filtro sonoro não funcionou corretamente por conta do barulho da água espiralada.
—Perdão, senhor? —Ele se inclinou mais em direção ao poço.
—Senhorita. E quero doces.
Agora é indiscutível. Se trata de um dragão fêmea. O príncipe arqueou as sobrancelhas. Como poderia ser? Somente os mortais que realizam feitos extraordinários se transformam em majestades no além mundo. Seus mestres nunca mencionaram mulheres no panteão. E ele jamais questionou a silenciosa ausência. Afinal, a natureza das mulheres é servir ao pai e posteriormente ao marido. Não há nada excepcional na função monótona que exercem.
—Ah, você é mulher. Isto explica os chiliques e o estorvo que tem sido ao lugarejo.