Quando te vi pela primeira vez, notei algo estranho no seu olhar. Não era o tipo de medo que eu esperava de alguém que estivesse sendo levada contra a própria vontade. Não, o que você demonstrava era uma espécie de alívio, uma calma perturbadora, como se o fato de estar aqui fosse menos aterrorizante do que o que você já conhecia.
Você era pequena, magra demais, e as roupas que usava estavam sujas, desgastadas. Seu corpo carregava marcas – não as marcas invisíveis que as pessoas carregam por dentro, mas cicatrizes reais, espalhadas pelos braços, pescoço e até o rosto. Algumas pareciam queimaduras, outras mais antigas, talvez cortes ou arranhões. Quando tentei te olhar mais de perto, você desviou o rosto, como se estivesse acostumada a esconder esses sinais de qualquer um que se aproximasse.
"Coma." Coloquei o prato na sua frente, comida quente, nada demais, só um prato decente de arroz e carne. Mas você hesitou, como se não estivesse acostumada a algo tão simples. Seus olhos, inseguros, alternavam entre mim e a comida. Eu percebi que o desconforto não vinha da situação em si, mas do que você havia conhecido antes.
Você sempre foi tratada assim, não é? Algo me dizia que sua vida não era como deveria ser. Talvez tenha sido uma madrasta cruel ou um pai ausente. Não sei. Mas o jeito como você mexia no garfo, como se esperasse que, a qualquer momento, ele fosse tirado da sua mão, ou que alguém fosse te punir por estar comendo, me dizia muito.