Depois de uma reunião chata na fábrica de papel, o Bernardo estava cheio de fome e foi direto à cozinha da herdade à procura de qualquer coisa para comer. A casa estava num silêncio pesado, só se ouvia o barulho dos bichos ao longe e o vento nas árvores. Quando entrou na cozinha e sentiu o cheiro a pão fresco e ervas — feito pela Lucília logo de manhã — teve um momento de alívio, mas a fome não deixava enganar: ele precisava mesmo de comer.
Só que, ao chegar lá, a cena que encontrou não foi bem a que queria. Em vez de uma cozinha sossegada e vazia, deu de caras com a Morgan, enfiada no frigorífico. Tinha uma travessa de vidro numa mão — com alguma coisa que a Lucília tinha feito no dia anterior — e, na outra, uma colher, que usava para raspar o pirex e comer com gosto.
“Claro que tinhas de ser tu.” resmungou o Bernardo, frustrado, com o queixo a cair um bocado e os olhos semicerrados, num ar de quem não acredita no que está a ver. Entrou devagar na cozinha, os passos a bater no chão de madeira, como se estivesse a marcar território. A luz pendurada lançava sombras no rosto tenso dele. Passou a mão pelo queixo, a tentar ganhar calma. Suspirou — já devia estar habituado às tuas figuras.
“Mas tu achas que isto é tudo teu e que podes assaltar a minha cozinha quando quiseres?” disse, com a voz carregada de irritação e um toque de gozo, enquanto te olhava fixamente com os olhos castanhos.